D. TERESA

PONTE DE LIMA A TERRA E A GENTE !

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O ASSALTO E ROUBO DA CASA DA GARRIDA

Capela de S.Francisco/Sª da Lapa, na Quinta da Garrida -Ribeira

O roubo e assalto de que foi alvo o Marechal Mello da Gama, na sua casa da Garrida, no termo da freguesia da Ribeira, foram um dos maiores mistérios jamais vistos em Ponte de Lima e tratou-se de um segredo nunca revelado.
Se José Rosa Araújo, ainda alimentava a esperança de um dia o mistério poder ser desvendado, nos dias de hoje, parece-me praticamente impossível ir alem do ruído que se sentiu na época.
Mesmo assim, acho relevante deixar aqui algumas notas sobre esse assunto, dada a importância que aquela casa e suas gentes representaram para esta freguesia.
Depois de se reformar da carreira militar, que desempenhou no ultramar, o marechal Mello da Gama, já com avançada idade, mas com enorme robustez física e forte estatura moral veio viver para Ponte de Lima, tendo-se instalado na sua casa do arrabalde, que lhe foi deixada após a morte de seu irmão.
O Marechal, chegou a Ponte de Lima, vindo da Índia, onde exerceu o cargo de Governador de Diu, com ele vieram seu único filho, Tenente-coronel, que vinha preso por se ter envolvido numa revolta contra o governo de seu pai, um neto, duas netas e um criado preto, de seu nome Francisco Andrade, que se destacava nos bailaricos e tascas da vila, ao que parece morreu afogado no Rio Lima, já depois do desaparecimento do velho Marechal.
O recheio da casa era de tal modo valioso, que causava espanto a todos quantos lá entravam, estando as portas sempre abertas e a casa acolhia todos que a ela recorressem.
Os pacotes de libras esterlinas eram aos montes; os objectos preciosos carregavam um carro; as sedas e mais tecidos indianos faziam a fortuna de uma família; enfim, não havia pelas redondezas quem se avantajasse em fortuna ao Marechal Francisco Mello da Gama” (1)
Toda esta riqueza, granjeada nas Américas e por terras da Índia, faziam atiçar a cobiça e a inveja a qualquer alma, que desgraçadamente não tivera igual sorte.
O assalto foi cuidadosamente planeado e terá acontecido do seguinte modo:
Dias antes do assalto, os bandidos procuraram arregimentar a pretextos diversos, vários solípedes e outras tantas cavalgaduras, que muniram de alforges para poderem transportar o pecúlio.
Na noite anterior ao assalto, deflagrou um enorme incêndio, na rua de S.José, bem no centro de Ponte de Lima, onde toda a vizinhança acudiu.
Já na madrugada, do dia do assalto, os bandidos contaram com o apoio de uma criada da casa, que lhes franqueou as portas da capela, por onde entrou uma boa parte da Quadrilha, enquanto outro grupo, procurava atrair a atenção dos donos da casa e seus criados que galhardamente procuravam defender os bens, para as traseiras da casa que davam acesso para o quintal, os ladrões entraram no solar, com a cara tapada por capuz, só com a abertura para os olhos.
Surpreendido, e sem capacidade para resistir, o velho marechal rendeu-se, tendo os larápios feito uma verdadeira limpeza de todo o recheio da casa.
No meio de toda aquela confusão, um dos assaltantes deixou para trás um gorro de estudante de Coimbra.
A criada que estava de conluio fugiu no final do assalto, juntamente com a quadrilha, havendo notícias de que acabou os seus dias em perfeita miséria, para os lados de Braga.
Contava-se ainda, que um dos burros carregado com parte da prata existente na Casa da Garrida, por falta de tangedor e no meio daquela balbúrdia, regressou à corte de onde teria saído, numa das freguesias da redondeza, levando consigo tão importante e valiosa carga.
O dono, que o tinha emprestado sem saber o fim a que se destinava, ao ver tão importante pecúlio, bem o guardou e bastante satisfeito ficou, negando mais tarde, quando lhe foram pedir, ser possuidor dessa mercadoria.
Ao que tudo parece, ainda hoje essas pratas estão guardadas em segredo, numa casa de lavradores da região.
Toda a prataria da casa tinha a marca “ Garrida”, pelo que facilmente se saberia o seu paradeiro, logo que a mesma deixasse o fundo das arcas onde durante anos se manteve escondida.
Mais tarde alguns desses objectos roubados, foram vistos em vários locais por ocasião de cerimónias importantes.
Assim aconteceu, numa exposição, na igreja da Misericórdia de Viana por ocasião da Semana Santa, onde foram mostradas algumas peças de prata, com a referida chancela.
Por outra altura, já nos anos 50/60, um representante directo da família, foi convidado para tomar chã, numa casa abastada da vila, sendo o mesmo servido com colheres da marca “Garrida”.
Apesar do serviço ter sido distinto, o liquido sabia-lhe a fel.
As senhoras da casa, preocupadas com o requinte do serviço, não se aperceberam da tamanha gaff, que tinham cometido.
Quanto aos autores de tal assalto, para alem da criada, nunca se descobriu quem teriam sido, apesar de se apontarem vários nomes.
Segundo Rosa Araújo, um dos que mais sabia desse assalto e membros da quadrilha era o então padre de Refoios do Lima, Pe. José Maria de Araújo Calheiros, que em conversa lhe terá dito que o chefe dos assaltantes estava sepultado no adro da igreja paroquial, junto ao cipreste que lá existia.
Outro nome apontado como implicado nesse assalto era um tal “Alexandre”, comerciante na rua do Pinheiro.
Sobre este individuo, que usava sempre uma luva na mão direita, figura misteriosa e pouco dada a esclarecimentos sobre o uso contínuo dessa luva, suspeitando-se que teria sido ferido nesse assalto, por um tiro desferido pelo marechal ou um dos seus criados.
Mal correu a notícia da sua morte, uma descendente “dos da Garrida”, acompanhada por um amigo, movidos pela curiosidade, lá subiram a rua do pinheiro, para velar o defunto.
Logo que chegaram ao local, subiram as escadas e depararam com o tal “Alexandre” estendido no caixão de mãos cruzadas sobre o peito, de luvas calçadas.
Era velado apenas por uma pessoa e aproveitando a distracção da mesma, o amigo T. V. aproximou-se do defunto e ao pressionar as costas da mão pode verificar que a mesma tinha uma cavidade, sinal de que algo realmente se passava com aquela mão!
Muito se narrou sobre o acontecimento, muita tinta correu sobre o assunto, muitas confissões se devem ter feito perante o desespero da hora de finados, muitos segredos se guardaram e jamais se saberá quem foram os verdadeiros ladrões e seus cúmplices.
Quanto ao marechal Mello da Gama, retirou-se para a sua quinta em S.João da Ribeira, onde sofreu outras tentativas de assalto, que não foram consumadas e aí terminou os seus dias, cumprindo um penoso e difícil fim de vida, consumido pelo desgosto e pela cegueira que lhe haveria de limitar os movimentos, já no final da sua vida.
Valeu-lhe o seu criado preto que lhe foi leal e dedicado até ao último dia.
E assim se guarda ao longo de tanto tempo aquele que deve ser o maior segredo alguma vez guardado por estas terras.





Bibliografia:

Miguel de Lemos citado in Araújo, 1993:nº6
Almanaque de Ponte de Lima
Limiana, J.R.A. limici
Património Imaterial de Ponte de Lima, 196

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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O CENTENÁRIO DO REGICÍDIO



Recorda-se no dia 1 de Fevereiro o centenário do assassinato do Rei D. Carlos e do príncipe Herdeiro D. Luís Filipe (1908), na praça do comércio em Lisboa.
A autoria do crime foi atribuída aos carbonários Manuel Buiça e Alfredo Costa, que também acabaram mortos no mesmo local.
O regicídio sempre esteve envolvido por muito mistério policial, pois do ponto de vista politico, foi sempre muito claro o que aconteceu, o Rei e o seu filho foram mortos.
Inicialmente tido como um atentado anarquista, mas na verdade o acto, foi objecto de um minucioso plano e é o resultado de uma conspiração politica, com contornos de golpe de estado.
Na verdade, os dois indivíduos que foram mortos e identificados como regicidas, não eram únicos e possivelmente terá havido muitos outros, que nunca foram capturados, muito menos identificados, pois faziam parte de um grupo armado que se envolvera numa tentativa de golpe de Estado uma semana antes (28/1/1908), tinham recebido treino e as armas não eram vulgares, tratava-se de modernas carabinas adquiridas pelos chefes dessa revolução.
Para se procurar entender as razões para depor o rei, parece-me importante referir o papel que o mesmo desempenhava: O rei nessa altura, não governava, mas tinha o poder de nomear o primeiro-ministro, bem como os pares do reino, tinha ainda o poder para dissolver o parlamento sempre que entendesse, para alem disso, sabe-se que D. Carlos, discutia os elencos dos ministérios, discute uma grande parte das medidas do executivo, recebia os telegramas das embaixadas e por vezes, redige ele próprio as respostas, para alem de ter um predominante papel na defesa.
Nessa altura os governos sucedem-se, chegando mesmo a haver mais do que um governo por ano.
Por outro lado o reinado de D. Carlos, ficou marcado por dois momentos de crise politica: - No início, quando sucede a D. Luís (1889), encontra os dois grandes partidos (Progressista e Regenerador), muito fragilizados, não havendo respeito pelos chefes.
Por outro lado há que ter em conta a questão financeira e a questão das colónias, com o ultimato.
Ao nível interno, em 1906, Hintz Ribeiro e José Luciano de Castro, chefes dos dois principais partidos, chegavam a acordo e elaboravam uma lei que estabelecia um número fixo de membros para a Câmara dos pares do reino, o que na verdade lhes dava a possibilidade de serem os únicos com condições para governar.
D.Carlos deixa João Franco mudar a constituição por decreto, em Dezembro de 1907.
Com o fim da lei dos pares fixos, João Franco com a bênção de D.Carlos, nomeou novas caras para a câmara; Os que foram excluídos dos planos, ficaram irritadíssimos, alguns deles chegaram mesmo a juntar-se aos Republicanos, como foi o caso de António Maria da Silva.
Uma grande parte da imprensa estava contra o rei, os jornais por vezes eram suspensos, os opositores eram deportados, enfim estava criado o ambiente para que a conspiração se transformasse em revolução e foi isso que foi tentado em 28 de Janeiro de 1908.
Apesar desta derrota, (No dia 1 de Fevereiro de 1908, um sábado ensolarado, o Rei D. Carlos desembarca na estação fluvial da praça do Comércio, acompanhado da rainha D. Amélia e do príncipe real D. luís Filipe, pouco passava das 17 horas.
Esperavam-nos no local os infantes D. Manuel, D. Afonso e João Franco, outros políticos e muitos fidalgos… uma menina oferece um ramo de flores à rainha.
Forma— se o cortejo e a família real toma o lugar num landau aberto, a caminho do palácio das necessidades…ouve-se um tiro… depois rebenta uma” perfeita fuzilada”. Surge então outro indivíduo que sobe ao estribo esquerdo e dispara pelo menos dois tiros de pistola sobre o rei…)
Dois anos mais tarde, a 5 de Outubro de 1910, a monarquia exausta será derrotada pela triunfante Republica.